“O homem é o lobo do homem!” (Plauto)
"Somos desafiados por Jesus a vivenciar o perdão, que se concretiza em relações justas e fraternas, em todos os seus níveis: religioso, cultural, econômico, político etc.", escreve Frei Jacir de Freitas Faria, OFM.
Frei Jacir é doutor em Teologia Bíblica pela FAJE (BH), mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma e professor de Exegese Bíblica. É membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB), padre franciscano e autor de dez livros e coautor de quinze.
O evangelho que vamos refletir hoje, Mt 18,21-35, não pode ser lido sem considerar os versículos anteriores, 15 a 20. Trata-se do perdão. Impactado com os ensinamentos de Jesus sobre o perdão e o modo como ele propõe: chamar o irmão em particular e, caso seja necessário, levá-lo à comunidade, mas nunca desistir daquele que erra, Pedro pergunta a Jesus se devemos perdoar o nosso irmão até sete vezes. Jesus responde não, mas setenta e sete, o que significa infinitamente. Se o número sete, para o judaísmo, representa a perfeição, imagine setenta vezes sete. Na tradição do ensinamento judaísmo sobre as relações humanas e Deus, Jesus conta uma parábola para falar do castigo para quem não perdoa o irmão.
Nesse sentido, o livro do Eclesiástico 27,33—28,1-3 diz que o rancor e a raiva são coisas detestáveis, até o pecador procura dominá-las. Se alguém guarda raiva contra o outro, como poderá pedir a Deus a cura? Quem se vingar encontrará a vingança do Senhor, que pedirá severas conta dos seus pecados. Se não tem compaixão do seu semelhante, como poderá pedir perdão dos seus pecados?
Jesus sabia que a coisa mais difícil para o ser humano é perdoar. Não fomos feitos para o perdão. “O homem é o lobo do homem”, afirmou o dramaturgo romano Plauto, morto no ano 184 a.C. Essa frase foi eternizada por Thomas Hobbes, ao incluí-la em sua obra Leviatã, em 1657. Por isso, podemos afirmar que o perdão não existe. Entre os traficantes, quem erra, quem delata alguém, morre como queima de arquivo. Um juiz não perdoa, ele declara culpado e não culpado, pune com uma sentença, e basta.
Perdão é uma criação das religiões. É um aprendizado que somente humanos podem atingir. O perdão só é possível em pessoas que amam ou que foram amadas por meio de sacrifícios, assim como o amor de mãe por um filho.
Perdão em hebraico se diz nassah que significa levar embora, levantar. Disso decorre que perdoar é esquecer. Quem perdoa esquece. Quem não esquece, guarda rancor. O rancor adoece quem sofre a injustiça.
Muitas vezes, já me perguntei o porquê da penitência que muitos padres ainda impõem aos fiéis depois de uma confissão. Trata-se de castigo pelo pecado? Não, não pode ser! A penitência é simplesmente para nos lembrar que devemos perdoar sempre. Para Jesus, quem consegue perdoar liga a terra com o céu, eternizando-se, pois nós seremos aquilo que fomos em vida. Jesus disse que o que ligamos na terra está ligado no céu (Mt 18,18). Isto quer dizer que, na liberdade sagrada que recebemos, somos capazes de criar vínculos, relacionamentos. Como isso é bonito, maravilhoso! Só nós, os humanos, somos capazes disso.
Coisas não criam laços afetivos. Temos a responsabilidade de criar laços, desatando os nós da depressão, do sofrimento que estão em nós e nos outros. Para que isso aconteça, só existe um remédio: o perdão, seguido da penitência do amor. O perdão nos torna infinitos como Deus. Quem perdoa não perde, mas ganha o amor, uma nova relação na finitude do ser humano que sonha ser perfeito, semelhante a Deus. Devemos perdoar o outro e a nós mesmos para viver na liberdade como filhos e filhas de Deus. Recomeçar sempre é nossa sina! Ame sempre! Perdoe sempre!
Somos desafiados por Jesus a vivenciar o perdão, que se concretiza em relações justas e fraternas, em todos os seus níveis: religioso, cultural, econômico, político etc. Que tal se a penitência para esse pecado social fosse o fim do racismo, das desigualdades sociais, da corrupção política e tantos outros sofrimentos que assolam o nosso país? Amém!